UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB
CURSO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
CURSO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
EXEGESE
DE ROMANOS 1:1
O Significado da Expressão: Servo de Jesus
Cristo
(Grego: Doulos
Cristou Iesou)
Por:
Jorge Schemes*
O
texto original em grego diz: “PAULOS DOULOS CRISTOU IESOU KLETOS
APOSTOLOS APHORISMENOS EIS EUANGELION THEOU”. (Paulo, um
escravo de Jesus Cristo, chamado apóstolo que foi separado para o
evangelho de Deus). A Bíblia de Jerusalém traduz o texto assim:
“Paulo, servo de Jesus Cristo. Apóstolo por vocação, escolhido
para o evangelho de Deus”. Contudo, temos que notar a ausência do
artigo definido antes da palavra Apóstolo no original grego. Paulo
começa sua carta assinando no começo pois este é o costume da sua
época, isto é, indica o nome e dá certa informação do autor no
começo e não no final como geralmente fazemos hoje.
Mas,
quem Foi Paulo? A carta aos Romanos começa com um nome pessoal,
Paulo. Não é por acaso que ele começou assim, pois um nome não é
uma mera palavra de rotina, e principalmente no caso de Paulo que era
um dirigente religioso. Ao iniciar a carta de Romanos com o seu nome
Paulo assume sua responsabilidade pois seu nome o colocava em
evidência. Sem dúvidas que a mensagem do seu Senhor começa com o
nome, a humanidade do profeta sob a inspiração do espírito Santo
de Deus (Cf. II Pedro 1:21).
Vamos considerar algumas
características da vida pessoal de Paulo. Nascido em tarso da
Cilicia por volta do ano 10 de nossa era, de uma família judia da
tribo de benjamim, mas ao mesmo tempo cidadão romano. Havia um pacto
entre Roma e Tarso de que quem nascia em Roma era Tarsiano e quem
nascia em Tarso era Romano. Logo, Paulo era, com certeza, cidadão
Romano por nascimento. Podemos concluir também que Paulo foi também
Hebreu por nascimento, educação e sentimentos pois foi capaz de
denominar-se “hebreu dos hebreus” (Cf. Filipenses 3:5). Em
Romanos 11:1 lemos que era da tribo de Benjamim. Siegfried Horn
sugere que talvez colocaram seu primeiro nome como Saul, o primeiro
rei de Israel, o qual também era da tribo de Benjamim.
As
Escrituras Sagradas não dizem quase nada acerca de seus pais. Há
apenas uma menção passageira a sua mãe (Cf. Gálatas 1:15).
Segundo Atos 23:16 Paulo não era filho único, pois neste texto é
mencionado o filho da irmã de Paulo. Mas, pouco se sabe de sua
família. Atos 22:28 faz menção ao seu pai como um cidadão romano
e talvez fariseu (Cf. Atos 23:6); Se foi assim podemos supor que
Paulo procedia de uma família de certa importância na sociedade
judaica. Jerônimo, historiador judeu, afirma que os pais de Paulo
viveram originariamente na região da Galileia, e que por volta do
ano 04 antes de Cristo foram levados como escravos a Tarso, onde
obtiveram sua liberdade, prosperaram e se tornaram cidadãos
romanos.
Assim, a vida de Paulo começou em tarso, e como todo
judeu foi circuncidado ao oitavo dia. O mundo na época de Paulo era
culturalmente heterogêneo e era um mundo poliglota. Sem dúvida
havia uma multidão de idiomas diferentes, sendo o grego a língua
franca do império e o latim além da língua vernácula de cada
grupo.
Os comentaristas estão de acordo ao afirmarem que Paulo
recebeu dois nomes por ocasião de seu nascimento. Devido ao contexto
poliglota e multicultural no qual nasceu Paulo ou Saulo, ele tinha
dois nomes. Pode Ter acontecido o seguinte: quando foi circuncidado
recebeu um nome judeu: Saulo, mas como vivia numa comunidade gentil
foi lhe dado também um nome latino: Paulus, cujo significado
equivale em grego a Pauros, que significa “pequeno garoto”.
Talvez
como hebreu Paulo se identificaria ou se apresentaria assim: sou
Saulo, o fariseu de Jerusalém; e talvez como cidadão romano assim:
sou Paulo cidadão de Tarso. Portanto, a suposta modificação ou
mudança de seu nome não tem fundamento, e certamente não está
relacionada com sua conversão no caminho de damasco. Mas o que pode
ter acontecido foi uma transição do uso de um nome para outro, mas
por quê? Segundo James Dunn, Paulo como cidadão romano gozava de
privilégios, então desde que Paulo se converteu no apóstolo dos
gentios desejava desfrutar de mais liberdade para levar o evangelho
ao mundo da época. Desde que Saulo era um nome pouco familiar fora
dos círculos judaicos, a transição do uso do seu nome foi um feito
natural; assim, Paulo refletia seu compromisso e sua responsabilidade
como apóstolo dos gentios.
O Doutor Siegfried Horn afirma que
Paulo (Gr. Paulos) é mencionado até Atos 13:9 com o nome de Saulo
(Gr. Saulos, do Hebraico Shaul = pedido [a Deus]; Cf. Atos 7:58); e
dali em diante só é mencionado como Paulo, exceto no relato que ele
mesmo faz de sua conversão (Cf. Atos 22:7,13; 26:14). Horn também
sugere que o apóstolo tem dois nomes e que em seus contatos com os
judeus talvez usasse o nome hebreu Saulo, e por outro lado usava seu
nome greco-romano, Paulus, em contato com os gentios, aos quais
desejava evangelizar.
Ma há muita especulação com respeito a
isso, e a mais possível talvez seja a que esteja relacionada com o
contexto histórico de seu nascimento. Portanto é claro perceber que
Paulo expressa seu nome como cidadão romano numa carta para os fiéis
cristãos da capital do império, uma igreja de cristãos judeus e
gentios. Uma coisa é certa, que sua conversão foi decisiva para que
ele mudasse o uso do seu primeiro nome para o segundo, ou seja, Saulo
estava relacionado a sua vida farisaica (judia) e Paulo era um nome
mais próprio para aproximar-se dos gentios como ele mesmo escreveu;
“Me faço fraco para com os fracos [...]”, então eu creio que
Paulo estava fazendo-se gentil para ganhar os gentios, com relação
ao uso de seu nome num mundo gentílico. Paulo desejava Ter uma nova
visão de si mesmo, não mais como Saulo, o fariseu, mas como Paulo,
o apóstolo (aquele que foi enviado com uma missão) para os
gentios.
Paulo, desde sua juventude recebeu uma educação
profundamente religiosa segundo as doutrinas farisaicas. Saulo tinha
um orgulho especial por ser fariseu, vivia como um fariseu “conforme
a mais rigorosa seita da religião judaica” (Cf. Atos 26:5; Filp.
3:5). Saulo recebeu duas fortes influências para ser um fariseu: a
primeira foi a de seu pai, que segundo a indicação do próprio
Paulo era talvez um fariseu; a outra por meio da educação que
recebeu sob a tutela de Gamaliel I (Cf. Atos 5:34; Atos 23:6). O
certo é que Saulo chegou a ser o partidário mais fanático de sua
seita (Cf. Atos 5:34), e desta maneira colocou o fundamento para sua
futura e enérgica cruzada contra Jesus representado em sua igreja
militante (Cf. Atos 9:4). Além de estar envolvido na morte de
Estevão (Cf. Atos 7-8:1-3), Paulo foi um feroz perseguidor da
nascente igreja cristã.
Como fariseu Paulo considerava Jesus
como um impostor, uma vez que acreditava na salvação pelas obras,
em recompensa por méritos, no sofrimento purificatório e na graça
acrescentada aos méritos próprios, ou seja, a salvação era obra
humana ajudada pela graça de Deus quando faltavam ações
meritórias.
Entretanto Saulo foi tocado bruscamente no caminho
de Damasco, pela aparição de Jesus Cristo, que revelou a ele a
verdade da fé cristã e lhe fez conhecer sua missão especial de
apóstolo dos gentios (Cf. Atos 9:1-22). É neste ponto que Paulo ou
Saulo começa a se transformar em “Servo de Jesus Cristo”.
Servo
de Jesus Cristo (Gr. Doulos Cristou Iesou)
Paulo não
inicia sua carta aos Romanos com orgulho, ele jogou fora toda
exaltação própria ao declarar que era um servo de Jesus Cristo
(Gr. Cristou Iesou = Salvador Ungido). Paulo teve toda sua mente e
filosofia farisaica de salvação mudada quando encontrou ao seu
Senhor. E agora começa escrevendo que é servo, escravo do Senhor
dos senhores, Jesus Cristo.
O que Paulo tinha em mente ao
escrever a palavra “servo” (Gr. Doulos = escravo)? Estava dizendo
que sua personalidade e sua liberdade estavam anuladas? Não tinha
mais liberdade para fazer sua própria vontade?
A palavra servo
que Paulo usa é no original grego Doulos, que significa escravo; mas
Paulo não usa a palavra Doulos como algo comum simplesmente. O que
ele deseja dizer é que ele não é mais escravo do farisaísmo cheio
de justiça própria, mas agora é escravo do “Senhor Justiça
Nossa”. O apóstolo dos gentios se denomina a si mesmo como Doulos
de cristo Jesus.
Granfield sugere que o contexto para sua
própria designação como escravo está embasado no Antigo
Testamento. Para a tradição grega a palavra Doulos tem uma
conotação muito negativa. Por outro lado, no Antigo Testamento a
palavra é usada com ois sentidos ou significados: revela as relações
entre reis e servos, mas também é empregada para mostrar o
relacionamento entre o ser humano e Deus. Talvez Paulo esteja tirando
a expressão Servo de Jesus Cristo de sua herança judia, uma vez que
no Antigo Testamento os judeus se consideravam em geral como servos
de Deus, sendo que a aplicação de servo de Deus também é usada em
relação a grandes pessoas ou profetas, como por exemplo
Moisés.
James Dunn sugere que o uso da palavra servo pelo povo
de Israel lhe dava um sentido peculiar e exclusivo de que eles
pertenciam somente a Jeová. Ao usar a mesma expressão, não
significa que Paulo estivesse pretendendo a mesma posição dos
antigos profetas, mas ele talvez estivesse chamando a atenção da
igreja em Roma de que ele não pertencia mais a si mesmo e que era
tão exclusivo para Deus como pessoa como foi o povo de Israel. Paulo
estava dizendo que ele pertencia e dependia do seu Senhor.
Paulo
frequentemente usa a palavra Doulos em seus escritos. Colin Brown
afirma que o título Servo de Jesus Cristo é usado por Paulo para
referir-se a um de seus colegas, Epafras (Cf. Col. 4:12). Brown
sugere que a palavra Doulos tem uma ligação próxima com a palavra
Diáconos (aquele que serve ou servo). Mas, a palavra Doulos é
distinta pois revela um sentido de subordinação, obrigação e
responsabilidade para com o seu Senhor.
O conceito Paulino de
escravidão está intimamente relacionado ao conceito de liberdade,
ao mesmo tempo em que todos somos chamados para a liberdade, somos
chamados também para ser servos uns dos outros em amor (CF. Gal.
5:13). O próprio Paulo se faz a si mesmo servo de todos por meio do
evangelho (Cf. I Cor. 9:19).
É interessante notar que a frase
servo de Jesus cristo é amplamente usada no vocabulário cristão
primitivo. Para os apóstolos na liderança da igreja, mas também
para a comunidade cristã em geral (Atos 4:29; I Cor. 7:22).
É
importante perguntar: Por que Paulo é um escravo? Que status ocupa
como Doulos?
Em seu livro “Slavery as Salvation”,
Dale Martin informa que na sociedade romana os escravos não ocupavam
posições comuns como escravos apenas, mas muitos deles serviam em
casas particulares e alguns como escravos livres. Desta maneira
podemos imaginar que havia diferentes graus de escravatura e
diferentes senhores. Sendo assim, os próprios escravos viviam e
estavam em diferentes status.
Quando um escravo era mudado de
lugar, mudava também sua situação, a qual podia ser menos ou mais
importante. Por exemplo: um escravo no palácio do imperador e um
escravo numa casa mais pobre. Resumindo, a situação de um escravo
estava relacionada com a autoridade e grandeza de seu senhor. Logo,
ser um escravo de Jesus Cristo não é para Paulo uma vergonha ou um
status baixo, mas é simplesmente o mais alto lugar de serviço. Seu
valor como escravo está ligado a posição de seu senhor. Paulo é
um exclusivo escravo de Jesus Cristo (Gr. Iesous Cristou). O que
significa ser servo do Senhor? O nome do Senhor é importante nesta
relação, “Iesous”, segundo Mouton é a forma grega para o nome
Joshua em Hebraico, e foi amplamente usado pelos judeus tanto antes
como depois da era cristã. Então era um nome comum, simples, mas
Paulo não está falando de um personagem comum, pois este Iesous é
o Cristou, que segundo Smith é o Mesias, ou seja, o Ungido do Senhor
YHWH. A escravidão de Paulo está intimamente relacionada com o
senhorio de Cristo, pois Ele é o Kyrios, aquele que tem poder,
autoridade, é mestre, é Senhor, Kyrios é um título divino para
Jesus e usado depois de sua ressurreição, Ele é o vitorioso
Senhor, Eterno Senhor, Rei dos reis e poderoso Deus. Todavia o Kyrios
também vestiu a posição de servo quando assumiu a natureza humana
(Cf. Filip. 2:7).
A palavra servo (Gr. Doulos) na luz da
cultura greco-romana e dos costumes gregos é mais tarde contrastada
com o título familiar usado para os súditos do imperador, como
sendo seus escravos, mas Paulo o relaciona não com o imperador, mas
sim com Jesus Cristo. Doulos descreve uma absoluta dependência e um
total compromisso com o Kyrios e ao mesmo tempo revela a total
soberania do Kyrios acima do Doulos. Todavia Paulo não é um servo
ou escravo por temor, porque seu serviço está baseado no amor do
seu senhor, o qual foi provado e escrito com sangue (CF. Romanos
5:6-8).
Paulo era um escravo de Cristo por amor, se considerava
propriedade de Cristo e completamente sob seu controle. No império
romano havia uma lei que obrigava ao escravo a estar a mercê
absoluta de seu amo, para a vida ou para a morte, estava sujeito ao
menor capricho de seu dono. Assim era com Paulo, não havia separação
entre ele e Jesus, os dois eram um, a personalidade, o caráter de
seu senhor estavam gravados (Gr. Tupos) em Paulo. Uma vez que Jesus o
havia comprado com seu sangue e o havia redimido da escravidão do
pecado e de seu farisaísmo, agora livre do poder do pecado era um
escravo da justiça (Cf. Romanos 6:18). Isso não o conduzia a uma
vida independente, pelo contrário, sua liberdade o levava à
obediência pela fé em Cristo, Paulo se apresentava ao seu senhor
como seu servo (Cf. Romanos 12:11). Por essa razão Kittel afirma que
a frase Doulos Iesou Cristou não pode ser separada do entendimento
de relacionamento dos cristãos com Cristo. Paulo não é meramente
aliado de Jesus Cristo, ou seu súdito, ou seu amigo, pois como
escreveu Handley Moule: “a liberdade do evangelho é a cara de
prata do mesmo escudo cuja cara de ouro é a vassalagem incondicional
ao senhor libertador”. Ser um escravo é terrível no abstrato; ser
escravo de Jesus Cristo é o paraíso no concreto. A rendição de si
mesmo, efetuada em solidão, é lançar-se ao frio vazio. Mas quando
se trata da rendição ao Filho de Deus que nos amou e se entregou a
si mesmo por nós (Cf. Gálatas 2:20), é o iluminado volver da alma
ao lar, ao centro e à esfera da vida e do poder.
Paulo como
Doulos não se relacionava com Cristo numa base legal, jurídica,
forense ou meritória como havia feito no farisaísmo. Ele é escravo
de Jesus Cristo, um nome pessoal e oficial, ou seja, nosso senhor,
nosso profeta, nosso sumo sacerdote e rei, sob o qual Paulo está
servindo e seu serviço é baseado em um relacionamento pessoal, em
uma fusão de personalidades (Cf. Gálatas 2:20). Com certeza Paulo
não estava se declarando independente de Jesus Cristo, e tão pouco
superdependente dele, mas sim seu servo particular, seu tesouro
particular, herança exclusiva de Deus e sua propriedade definitiva;
Paulo estava comprometendo-se com seu Senhor (Kyrios) para sempre
como um escravo livre.
Nos tempos de Paulo muitos escravos
obtinham sua liberdade e havia várias maneiras de obtê-la, mas os
escravos escolhiam ficar com seus senhores e donos pois era mais
vantajoso e seguro, ainda eram escravos, mas livres. Outros escolhiam
permanecer porque haviam se identificado tão completamente com seus
senhores que já não desejavam ir adiante. Paulo desejou ficar com
Jesus como seu servo porque também foi chamado; James Edwards sugere
que Paulo tirou a expressão “servo” do livro de Isaías capítulo
49 versos 3 e 6, onde Deus fala a respeito de seu servo ao qual Ele
enviaria aos gentios para levar sua mensagem de salvação. A própria
vida de Paulo foi um comentário deste verso, ele se considerou a si
mesmo como o apóstolo dos gentios (Cf. Gálatas 2:9), e seu desejo e
aspiração era pregar aos judeus e gentios como “servidor do
Messias Jesus”.
Bibliografia:
MOULE, C. G.
Handley. Exposición de la Epistola de San Pablo a los Romanos.
Buenos Aires: 1924.
EDWARDS, James R. New International
Biblical Comentary on the Epistle to the Romans. Massachusetts:
Hendrickson Publishers, Vol. 6, 1992.
SIMPSON, A. B. La
Epistola a los Romanos. Chile: Imprenta y editorial alianza,
1997.
HORN, Siegfried H. Diccionario Biblico Adventista
del Séptimo Dia. Argentina: ACES, Vol. 8, 1995.
DUNN,
James D. G. Word Biblical Commentary. Texas: Word Books Publisher,
Vol. 38, 1988
Um comentário:
gostei muito deste assunto pois é algo q ue venho refletindo a alguns dias. obrigado!
a minha observacao é quanto a transliteracao κυριοσ que é kyrios e nao kurios. pois u entre 2 consoante se translitera como y.
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